Ultimamente a Constituição
portuguesa tem sido algo de alguns comentários negativos por parte do governo
maioritário de PSD-CDS. E, mesmo quando os ataques são dirigidos ao Tribunal
Constitucional, indiretamente, procura-se atacar a mesma Constituição. Se há
benesse que a entrada na era contemporânea deu ao mundo ocidental, a partir das
ideias liberais de Rousseau, Montesquieu e Voltaire, foi a representatividade
dos cidadãos integrada num documento, no tal “contrato social” de Rousseau. A
Constituição de 1822, muito marcada pelas influências da Constituição espanhola
de Cádis, foi a primeira. O século XIX acompanharia uma série de alterações da
Constituição, embora isso oscilasse mais numa legitimação entre os defensores
da monarquia e os liberais (que procuravam esvaziar o poder monárquico,
redistribuindo e dividindo os poderes judicial, legislativo e executivo). Ora,
este documento simboliza, assim, a representação legal de todos os cidadãos, e,
de facto, a Constituição, como afirma o dr. Jorge Alves, “ocupa o lugar central
na hierarquia legislativa dos países que, desde o liberalismo, adoptaram este
dispositivo de mediação entre os cidadãos”.
O século XX não seria diferente
do século XIX, dado que, também, a Constituição marcaria o cunho político da
implementação de diferentes regimes, desde a Constituição de 1911 até à de 1976
(a nossa atual, porém já teve 7 revisões desde então). O próprio regime
totalitário apelidado de “Estado Novo” possuía tal documento, aliás a sua
institucionalização e legitimação só se deu com a sua formulação. Não querendo
estar a entrar em controvérsias, Passos Coelho, ao querer sobrepor-se ao
Tribunal Constitucional, está a acentuar aquilo que foi a chamada a “ditadura
do executivo” tão premente no regime ditatorial salazarista. Além de que a
pouca intervenção do Presidente da República na moderação e na intervenção de
conflitos é quase igualitária àquela que teve Craveiro Lopes (eleito em 1951),
ou seja, quase nula. Com certeza que tais períodos e circunstâncias políticas
são bem diferentes, mas serve para fazer algumas analogias.
Alterar e criticar a Constituição
será assim o quê exatamente? Parece mais uma tentativa de fuga a algumas
responsabilidades que o Estado tem com o seu povo. Por exemplo, veja-se o
seguinte princípio: “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a
igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos
económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e
modernização das estruturas económicas e sociais” (artigo 9.º, “Tarefas
fundamentais do Estado”). Por outro lado, em defesa do Tribunal Constitucional,
este cumpre somente o seu dever. Esta minha afirmação pode ser facilmente
corroborada pelo artigo 223.º (“Competência”): “Compete ao Tribunal
Constitucional apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade”.
Em conclusão, um Governo que não
respeita a Constituição e a sua rede de poderes não se respeita a si próprio,
ou melhor, não respeita o seu regime e os seus representantes (nós todos).
Bibliografia consultada:
ALVES, Jorge Fernandes (2006) - A
lei das leis. Notas sobre o contexto de produção da Constituição de 1911. Revista da Faculdade de Letras de Letras,
série 3, Vol. 7, p. 169-180.
ROSAS, Fernando – “O Estado Novo
(1926-1974)” in MATTOSO, José. História
de Portugal.Vol.7. Lisboa: Círculo de Leitores,p.202-206.
Fonte:
Diário da República, 12 de Agosto de 2005, p. 4642-4686.
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