domingo, 1 de dezembro de 2013

Auto dos Danados

Ultimamente a Constituição portuguesa tem sido algo de alguns comentários negativos por parte do governo maioritário de PSD-CDS. E, mesmo quando os ataques são dirigidos ao Tribunal Constitucional, indiretamente, procura-se atacar a mesma Constituição. Se há benesse que a entrada na era contemporânea deu ao mundo ocidental, a partir das ideias liberais de Rousseau, Montesquieu e Voltaire, foi a representatividade dos cidadãos integrada num documento, no tal “contrato social” de Rousseau. A Constituição de 1822, muito marcada pelas influências da Constituição espanhola de Cádis, foi a primeira. O século XIX acompanharia uma série de alterações da Constituição, embora isso oscilasse mais numa legitimação entre os defensores da monarquia e os liberais (que procuravam esvaziar o poder monárquico, redistribuindo e dividindo os poderes judicial, legislativo e executivo). Ora, este documento simboliza, assim, a representação legal de todos os cidadãos, e, de facto, a Constituição, como afirma o dr. Jorge Alves, “ocupa o lugar central na hierarquia legislativa dos países que, desde o liberalismo, adoptaram este dispositivo de mediação entre os cidadãos”.
O século XX não seria diferente do século XIX, dado que, também, a Constituição marcaria o cunho político da implementação de diferentes regimes, desde a Constituição de 1911 até à de 1976 (a nossa atual, porém já teve 7 revisões desde então). O próprio regime totalitário apelidado de “Estado Novo” possuía tal documento, aliás a sua institucionalização e legitimação só se deu com a sua formulação. Não querendo estar a entrar em controvérsias, Passos Coelho, ao querer sobrepor-se ao Tribunal Constitucional, está a acentuar aquilo que foi a chamada a “ditadura do executivo” tão premente no regime ditatorial salazarista. Além de que a pouca intervenção do Presidente da República na moderação e na intervenção de conflitos é quase igualitária àquela que teve Craveiro Lopes (eleito em 1951), ou seja, quase nula. Com certeza que tais períodos e circunstâncias políticas são bem diferentes, mas serve para fazer algumas analogias.
Alterar e criticar a Constituição será assim o quê exatamente? Parece mais uma tentativa de fuga a algumas responsabilidades que o Estado tem com o seu povo. Por exemplo, veja-se o seguinte princípio: “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais” (artigo 9.º, “Tarefas fundamentais do Estado”). Por outro lado, em defesa do Tribunal Constitucional, este cumpre somente o seu dever. Esta minha afirmação pode ser facilmente corroborada pelo artigo 223.º (“Competência”): “Compete ao Tribunal Constitucional apreciar a inconstitucionalidade e a ilegalidade”.
Em conclusão, um Governo que não respeita a Constituição e a sua rede de poderes não se respeita a si próprio, ou melhor, não respeita o seu regime e os seus representantes (nós todos).

Bibliografia consultada:
ALVES, Jorge Fernandes (2006) - A lei das leis. Notas sobre o contexto de produção da Constituição de 1911. Revista da Faculdade de Letras de Letras, série 3, Vol. 7, p. 169-180.
ROSAS, Fernando – “O Estado Novo (1926-1974)” in MATTOSO, José. História de Portugal.Vol.7. Lisboa: Círculo de Leitores,p.202-206.
Fonte:

Diário da República, 12 de Agosto de 2005, p. 4642-4686.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Auto dos Danados

Nesta semana centrar-me-ei numa análise linear das crises do Estado em relação ao avanço do capitalismo tardio, seguindo a perspetiva de Jurgen Habermas.  Ora, estes problemas são apelidados de “crises”, dado que estes distúrbios não permitem que determinado sistema social seja capaz de continuar o modelo desse sistema.
                O capitalismo tardio marca o fim do capitalismo liberal, na medida em que o mecanismo de mercado é substituído pela intervenção e a ideologia liberal pela iniciativa do Estado em corrigir as tendências destrutivas do livre-cambismo puro. O Estado guarda para si a responsabilidade da segurança social e do crescimento económico. O que acontece é que, atualmente, assistimos a uma dessas crises, a crise económica. O descontrolo dos processos acumulativos de capital dá-se pelas suas contradições e manifesta-se na falência e no desemprego. Ora, Passos Coelho devia ter mais atenção ao que Habermas diz, tendo em conta que não segue, somente, a dimensão de crise económica, mas, também, de crise administrativa, ou melhor, de racionalidade (embora a sua política esteja muito dependente do FMI, tem responsabilidades e espaço de manobra para negociações e outras alternativas), pois esta surge quando o Estado não efetua as políticas técnicas a que se propôs. Por sua vez, este processo é um bocado como aquelas bonecas russas que sempre que se abre uma aparece outra no seu interior e (as matrioshkas), como consequência, a crise da racionalidade dá lugar à crise de legitimação. O governo de coligação PSD-CDS sofreu e tem sofrido, violentamente, esta crise de legitimação. No entanto, tire-se o chapéu à política de comunicação desta governação, na medida em que, a partir dos artigos de opinião, dos vários textos de blogues e da invisibilidade construída na pessoa do primeiro-ministro, conseguiu, constantemente, adiar e adiar um debate profundo sobre esta legitimação.
                Por fim, toda esta correlação de crises leva a uma bloqueio no sistema de valores culturais e sociais. É feita a crítica à funcionalidade da sobrevivência do capitalismo. Dá-se a crise de motivação. Surgem os movimentos de resistências que buscam alternativa, desde anarquistas a outros radicais de extrema-esquerda ou extrema-direita. Há uma ameaça, assim, à nossa democracia. As democracias nacionais foram abaladas pela crise e pele fenómeno de globalização que baralha todos os limites e coloca em ribalta as tecnocracias construídas e formadas num patamar que se vai moldando e camuflando em democracias conformadas com a vontade dos mercados.
                                              
Bibliografia consultada:
LUBENOW, Jorge Adriano (2012) - A DESPOLITIZAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA EM JÜRGEN
HABERMAS SOB A PERSPECTIVA SÓCIOPOLÍTICA. R. Intern. Fil, Vol. 3, N.º 1, p. 54-95.

GASPAR, M. (2013, 28 de Outubro) – “Habermas: partidos europeus optam pelo oportunismo perante um desafio histórico”. Público.

(crónica publicada no "Jornal de Matosinhos").

sábado, 16 de novembro de 2013

Auto dos Danados

Um país alicerçado de falso betão estrangeiro é a nossa realidade. Esta supremacia do Fundo Monetário Internacional (FMI) só é credível pelo capital emprestado, pois as suas políticas e competências ficam muito aquém da expetativa. Veja-se o exemplo do fracasso da política de prevenção de crise em 1994, no México, e nos vários países asiáticos em 1998. Da mesma forma que a remodelação e racionalização do sistema de prevenção, em 2008, é mais do mesmo. Desde o excesso de liquidez, ao crédito explosivo escondido nos recônditos do “boom” imobiliário e à displicência relativamente ao risco. O FMI, após o G-20 em Londres, teve o seu avale para se tornar na instituição financeira regularizadora de todas as economias abatidas pela crise do sub-prime americana de 2007. Ora, o seu papel de mediador e reformador a curto e médio prazo em vários países, cujo desconhecimento das suas realidades para além dos números é total, é bem esclarecedor de uma premissa fanática de reformulações que só se importam em tirar ovos, mesmo que já não existam galinhas. Este masoquismo veio à baila, recentemente, pela boca de Paul de Grauwe, professor conceituado na London School of Economics e antigo membro do FMI, como se depreende das seguintes declarações: “É difícil entender como pode o Governo magoar a população e sentir-se orgulhoso disso”; “Portugal e outros países do Sul da Europa deviam unir-se e dizer que a maneira como os tratam não é aceitável. Quando Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha levam a cabo medidas de austeridade, os outros países do Norte da Europa deviam fazer o inverso e estimular a economia”.
Bom, mas a intenção deste artigo opinativo não é analisar, somente, a política económica de austeridade padrão adotada pelas principais instituições económicas e financeiras mundiais – o que também seria bastante interessante -, mas, sim, também, os efeitos que esta austeridade tem na sociedade portuguesa. Um Estado moribundo pela contenção de despesas, um compreensível aumento de impostos, a privatização a quase todo o setor público, diminuição dos salários, precarização e “neo-escravidão” no trabalho, contribui tudo para uma sociedade desigual e muito próxima de um feudalismo promíscuo. Mais grave ainda é a desequilibrada flexibilização do mercado laboral (é a solução mais fácil e desumana para a questão do desemprego), posição assumida pelo nosso governo neo-liberal atual. Esta visão, curiosamente, esbarra naquela que é defendida pela Organização Internacional do Trabalho. De facto, tudo parece ficar ainda mais sinistro e confuso quando, nos últimos encontros do G-20, ficou explanado um “Plano Global de Recuperação e Reforma” que defendia a urgente necessidade de construir um mercado de trabalho justo e de estímulo ao emprego. Não me parece, de todo, que a questão social esteja na agenda e, por sua vez, isso muito se deve à insustentável leveza da ideologia fugida do bolso de Margaret Thatcher. Este paradigma da governação neo-liberal, juntamente com o excessivo poder supranacional, coloca em causa o Estado de Direito, ou seja, os eleitos pelos cidadãos transcendem a sua legitimidade e legalidade (as constantes tentativas de desrespeito à Constituição Portuguesa, pelo nosso Governo, são convites endereçados a todos nós para observar um espetáculo de auto-mutilação, no qual os nossos direitos são espezinhados).
No cômputo final, os cidadãos estão a ser colocados num patamar de responsabilidade demasiado expositiva em relação à crise. Esta não é a crise do povo. Além de que caminhamos, serenos, para o fim do Estado Providência. Quando isso acontecer, onde nos terá levado a austeridade e o último degrau capitalista?
Bibliografia consultada:
BERMEJO, Romualdo; GARCIANDÍA, Rosana (2009) - EL FONDO MONETARIO INTERNACIONAL ANTE LA CRISIS FINANCIERA ACTUAL. Revista Electrónica de Estudios Internacionales, p. 1-34.
CALVO, Miguel Moltó (2012) - A NOVA GOBERNANZA ECONÓMICA NA UE: AVANCES E CARENCIAS. Revista Galega de Economía, vol. 21, p. 37-66.
FERREIRA, António Casimiro (2011) - A sociedade de austeridade: Poder, medo e direito do trabalho de exceção. Revista Crítica de Ciências Sociais, p. 119-136.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013



ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ESTÉTICAS A PROPÓSITO DAS 
   CONCEPÇÕES DE NELSON GOODMAN 
                                                                                 
                                                                                                                                                                     


        O construtivismo de Goodman leva-o a recusar a existência de qualquer realidade em si, independente e autónoma. O mundo não é um dado exterior aos esquemas de construção de descrições e interpretações que o visam apreender. Nem tão pouco se pode falar de objectos, de coisas ou de estados de coisas únicos que correspondam a diferentes processos de representação. O que Goodman afirma é que o mundo é construído a partir de sistemas de símbolos que são "versões-de-mundos". A realidade surge, então, confinada numa determinação simbólica que organiza os seus referentes, lhes dá valor e significado no âmbito de cada sistema. Assim, porque " não estamos a falar de múltiplas alternativas possíveis a um único mundo real mas de múltiplos mundos reais ", criamos mundos quando criamos  versões-de-mundos".
       O anti-realismo ou convencionalismo de Goodman sugere vários problemas. Por exemplo, poderemos questionar se ao construirmos versões estamos a construir realidades correspondentes, ou se qualquer construção se coloca apenas no campo das representações. Por outro lado, é também pertinente perguntar o que é o mundo, o que dele fica que possa  ainda ser determinado quando o tornamos independente de toda a conceptualização. São questões que se articulam dentro do mesmo nível de argumentação. Falar de uma realidade ontológica livre de teorias levar-nos-ia a não compreender a presença de uma pluralidade de versões enquanto sistemas diferenciados de simbolização. Como diz Carmo D´Orey : " Não faz, por isso, sentido, falar de qualquer realidade independente das versões nem de qualquer ponto de partida autónomo percepções, dados e matéria, experiência e factos, todos são construídos e relativos à versão de que fazem parte " .
       A recusa em aceitar um mundo livre de teorias não significa defender uma posição imaterialista que nega a existência de um  " mundo " anterior e independente dos actos de descrição. Significa apenas que dele nada podemos dizer ou pensar, ele é-nos incompreensível, inatingível, sendo, por isso, inútil e ilusória qualquer discussão que pretenda esclarecer as propriedades e as características essenciais do mundo.
       O que está, então, em causa é que se o mundo é construído através de símbolos, " adoptar um sistema consiste em adoptar uma convenção que fixa a referência dos seus termos. Essa convenção pode ser produto de habituação ou de estipulação. Mas, uma vez adoptado o sistema, o que uma coisa é torna-se uma questão de  facto no âmbito desse sistema " .
       O pluralismo de Goodman implica afirmar que nenhuma versão é superior a outra, tanto a ciência como a filosofia, ou a arte ou o conhecimento corrente, são sistemas simbólicos com a mesma validade quando comparados. Qualquer contradição resulta apenas do facto de estarmos perante versões que dizem respeito a mundos diferentes. Não podemos estabelecer hierarquias de certeza e rigor. Não há construções simbólicas mais ou menos perfeitas entre si, mais ou menos eficazes, há versões, versões que são verdadeiras enquanto sistemas de símbolos aplicados aos seus respectivos campos de referência. Nada tem um valor em si mesmo,  o  que  implica   reconhecer que não existem linhas rígidas de divisão entre símbolos e referentes, mas que estes só se exprimem, significam e funcionam no jogo de uma simbolização contextual, ou seja, dizendo de outro modo : " Falar de conteúdo não estruturado ou de dado não conceptualizado  ou  de  um substrato sem  propriedades  é autodestrutivo; Porque o discurso impõe  estrutura,  conceptualiza, atribui propriedades "  . Assim, os sistemas de símbolos  " são relativos aos nossos objectivos e interesses e todos podem ser correctos ou incorrectos de várias maneiras. Também para todos tem de haver critérios de aceitabilidade " .
             Desta perspectiva pluralista decorre, como vemos, uma certa posição relativista. A existência de várias versões legítimas não afecta a possibilidade de reconhecer as que são válidas e as que não são, e as que sendo são-no apenas dentro dos objectivos traçados. Segundo Goodman, é o critério de correcção que ao articular-se com a noção de ajustamento permite determinar a aceitabilidade ou não das versões. É um critério que tem uma extensão ampla, pois aplica-se não só ao domínio da teorização científica como ao domínio das manifestações artísticas. Digamos, resumidamente, que a referida noção surge quando queremos falar de verdade, mas que tem vantagens, pois não se trata de defender , como se compreende pelas teses enunciadas, uma perspectiva representacionalista e essencialista do real, mas de ajustamentos entre mundos e versões-de-mundos, de acordo com os processos e finalidades previamente definidos.
       Se  nos centrarmos, agora, mais concretamente   nas questões estéticas,  que  são   as  que  nos   preocupam,   surge  clara  a  ideia  que  a demaração tradicional entre a ciência e a arte não faz mais sentido, sem contudo se deixar de assinalar diferenças, mas diferenças que ocorrem, precisamente, das características específicas  das respectivas construções simbólicas. Como diz C. d´Orey: " Admitida a nova epistemologia, a concepção anti-intelectualista, que opõe a arte à ciência, torna-se insustentável. Dicotomias vagas e obscuras, mas profundamente enraizadas, são superadas: não mais de um lado a beleza, a intuição e a emoção e, do outro, a verdade, a racionalidade e o saber. Porque nenhuma destas propriedades é privilégio da arte nem da ciência e todas são insuficientes para distinguir uma da outra. A tarefa comum de ambas é a construção de mundos através de sistemas de símbolos e o valor de qualquer delas depende da correcção das construções realizadas. Ambas podem ser correctas e incorrectas de diferentes maneiras; ambas podem ter um domínio de aplicação universal: para ambas existem critérios de aceitabilidade, e testes e experiências a que podem ser submetidas; em nenhum caso há garantias definitivas ". 
       I) A arte é um  modo de fazer mundos, ou seja, é um sistema de simbolização. A arte consiste, pois, numa conjunto organizado de símbolos   (esquema ) que se aplica a um conjunto de referentes (campo de referência ).
       Símbolos e referentes só adquirem valor  sintáctico e semântico  no interior do sistema que os  integra. Como não há símbolos e referentes fora de qualquer sistema, o significado de um símbolo, como ele funciona, varia na relação directa com os contextos que o situam. Não há nada em  si, não há nada intrínseco que se possa definir sem ser numa teia de relações. Para os símbolos e para os referentes também o processo é assim, e porque é assim, tudo pode ser símbolo. A concepção ontológica de Goodman impede-o de estabelecer aí uma ruptura essencial. Quando Marcel Duchamp expõe os  Ready Mades, ou seja objectos de uso tais como um cesto de arame cheio de cubos de mármore, um suporte de garrafa ou um urinol, e dando-lhes nomes que, talvez com excepção do urinol, a que chama  La Fontaine, não tinham qualquer relação com o objecto, o que podemos perceber, entre outras intenções, é que estamos perante objectos que geralmente funcionam mais como referentes, mas  que  no contexto  da exposição adquirem o estatuto de  símbolos ao revelarem determinadas propriedades.
       Relativamente à referência, é preciso dizer que Goodman refere  duas formas básicas, que são a denotação e a exemplificação, e que .é esta última que vai permitir, pelo seu alto grau de operatividade , equacionar  e formular um  conjunto de problemas  que se coloca à filosofia da arte.
       A exemplificação permite-nos entender o carácter simbólico da arte. Se observarmos   o  Quadrado  Negro  (1913) de K. Malevitch, ou  o Recorte em linóleo (1917) de V. Huszar, poderemos perguntar o que é que aí se denota  como pinturas  abstractas  que são. Possivelmente são símbolos, mas  a que referentes se aplicam ? A ausência destes anula, aparentemente,   todo o processo de simbolização.  Nessas telas não há nada para denotar logo, nada para simbolizar. Ora, é a exemplificação que permite  defender que toda a obra de arte, mesmo que não denote, não deixa de simbolizar porque refere sempre algo. A obra, por exemplo, de Malevitch exemplifica  as  cores  preta  e  branca   (ou a  ausência   de   cor e   a quadrangularidade).  Mais:ela   exemplifica  o   realce   dado   à    superfície (quadrada branca e um quadrado preto rigorosamente centrado), que segundo o pintor, é o único espaço de definição da pintura, o seu ponto zero.
       É também a noção de exemplificação que  nos irá permitir articular vários problemas no concernente à problemática do estilo em arte. 
       II) Como sabemos,   o estilo faculta-nos a vantagem de classificarmos as obras de arte, sejam quais forem a suas formas de expressão, segundo determinados critérios, de modo a melhor compreendermos as relações que se estabelecem, em termos de contrastes e semelhanças. Permite-nos, ainda, entender a arte numa perspectiva diacrónica, bem como sincrónica.
       O estilo atravessa, digamos, todas as propriedades classificativas das obras de arte:   o conteúdo ,  o género,  os  media.  Por  exemplo, em O Profeta / Auto-Retrato Duplo (1911) de Egon Schiele, trata-se, respectivamente, de retrato, pintura de cavalete  e  óleo sobre tela. É o estilo que assinala o  lugar   que a obra, como objecto singular, ocupa, relativamente às afinidades e filiações primaciais que mantém com outras, de modo a identificá-la   no plano da produção de um artista, grupo, período, escola ou região. No caso concreto de Egon Schiele, estamos face a um trabalho que reflecte as tendências plásticas essenciais do artista, integrando-se no movimento do expressionismo alemão do início do século.
       O estilo também se relaciona com os contextos. Assim, podemos dizer que o poeta Fernando Pessoa  se  integra no âmbito das correntes literárias contemporâneas, que é um  pós-simbolista e que fez parte do movimento do  modernismo em Portugal (figura particularmente interessante, porque poderemos sempre falar dos vários contextos heteronímicos pessoanos). O estilo, como dissemos, conduz-nos para a tentativa de elucidação  de problemas que a filosofia da arte   traz  à colação.   Em  primeiro  lugar, a análise da própria estrutura interna do estilo revela-nos que a sua percepção exige uma grande capacidade de abstracção, como nos diz C. d´Orey ao citar os estudos que são realizados no domínio da psicologia da arte. A esta capacidade deve acrescentar-se a de complementação, no sentido  de dizer  mais  ao que é dito, e de suplementação, na procura de superar o imediatamente dado.
       É ainda a mesma autora que nos alerta para os problemas que são suscitados pela reflexão sobre o estilo. O problema principal é o de saber como determinar as propriedades estilísticas de uma obra de arte, perante o corpo constituído por todas as propriedades estéticas. Outros problemas são deste decorrentes: " São todas as propriedades das obras de arte real ou potencialmente estilísticas? É o estilo um atributo exclusivo das obras de arte? Qual a importância do estilo? Esta última questão subdivide-se em duas :é a identificação do estilo de uma obra de arte uma condição necessária e/ou  suficiente para uma apreciação esteticamente correcta? É a presença de estilo uma condição necessária e/ou suficiente para que uma obra de arte tenha qualidade? Finalmente, qual é a relação referencial que uma obra de arte tem com o seu estilo? " . Da nossa parte, gostaríamos  de levantar  outros problemas: o que nos leva a reconhecer as mesmas propriedades que caracterizam um determinado estilo quando lidamos com diferentes formas de expressão artística? Ou seja,  porque  integramos as obras pictóricas de E. Munch e a música atonal de A. Schonberg  na corrente estética do expressionismo? Que  influências se cruzam entre as várias artes que possam derivar de propriedades estilísticas (Schonberg além de compositor, pertenceu à chamada Escola de Viena, pintou alguns quadros expressionistas, como o  Olhar Vermelho)?   Questões para outra reflexão.
       A obra que temos vindo a citar de Goodman explicita a sua posição em relação a um enquadramento teórico do estatuto do estilo. Os habituais dualismos forma/conteúdo, sentimento/conhecimento, intrínseco/extrínseco devem ser superados, pois não permitem entender, com rigor, o funcionamento da arte na sua complexidade.  
       III) A dicotomia  que se baseia na primeira oposição pressupõe a ideia que o estilo está na forma (como é dito), enquanto o conteúdo surge à margem das propriedades estilísticas, é o assunto  (o que é dito). Temos, por um lado, o modo  de representação e, por outro, a matéria de representação. Se é certo  que são os elementos formais que contribuem mais decisivamente para a apreensão do estilo, não podemos  deixar de defender que muitas vezes o conteúdo é relevante  para a caracterização do estilo. O poder metafórico da obra de E. Munch vive muito da presença constante de personagens angustiadas situadas em espaços enigmáticos. Assim como  O Cristo Amarelo  ( 1889 )  de P. Gauguin é marcado, não só por uma paleta de cores específica que reflecte o período  de  Pont-Aven, mas também pela representação que desloca um facto do seu contexto temporal. " Na verdade, mesmo quando a única função em questão é dizer, teremos de reconhecer que algumas  características  notáveis  do  estilo  são características da matéria e não o modo de dizer. O assunto está envolvido no estilo de mais de um modo ".
       Parece, pois, claro que o estilo não pode partir da distinção que se queira traçar entre forma e matéria, mas  que  nele estão sempre presentes  ingredientes de um todo que recolhe aspectos formais e substanciais. Se o estilo pode ser o mesmo de um escritor que trabalha  diferentes temas, assim como  o mesmo tema pode ser objecto de muitos modos de o dizer, tal significa que são apenas certas características do  que é dito  e do  como é dito   que contribuem para se poder avançar na definição do estilo.  
       IV) Também  o que é exprimido e o modo como é exprimido se envolvem em processos de correlação, cuja separação não pode ser legítima para fundamentar  o estilo nos sentimentos expressivos. Se é um dado adquirido que estes muitas vezes funcionam para a identificação de propriedades estilísticas, generalizar tal facto leva-nos a alguns equívocos, e por várias razões. Primeiro, porque o que é exprimido é uma face de como  é exprimido o que é exprimido. Depois, porque o modo de expressão  não pode ser imediatamente identificado com sentimentos e expressões, gerais ou particulares. Há expressões que não possuem  qualquer carga  emotiva, o que significa  que sendo relevantes o são  por outra ordem de razões. Por outro lado, deve referir-se que há propriedades estilísticas que são exclusivamente formais e estruturais (sintácticas), carecem de  qualquer tipo de expressão, como é o caso das pesquisas de M. Gastini, em que o tema dominante é o espaço e a relação  que os signos assumem   na sintaxe da obra, bem como a utilização de materiais diversos que compõem a estrutura geral.  
       V) Carmo D’Orey fala num princípio que designa por critério de simbolização, articulando-o com outro, que chama  critério de atribuição. Pretende com o primeiro registar as formas  que  no funcionamento simbólico de uma obra de arte actuam, e que podem, quaisquer que elas sejam, ser pertinentes para o estilo, como sejam: representar  (ou descrever), exprimir, exemplificar e aludir. O outro critério  visa preencher algumas lacunas, pois  não é atendendo exclusivamente à simbolização que demarcamos os factores de significado estilístico. Nem tudo o que uma obra estética exemplifica é relevante para o estilo. Les Demoiselles d’Avignon (1907)  é um quadro de Picasso em que o Cubismo reside, fundamentalmente, nas formas, por exemplo, os rostos são deformados, as figuras foram fragmentadas, e não nas  cores, embora  ambas simbolizem por exemplificação.
       O  critério de atribuição  é o reconhecimento da  " assinatura ", pois responde às questões: Quem? Quando? Onde? Mas, também este critério não satisfaz só por si  a busca da determinação das propriedades estilísticas. Aquilo que faz parte da assinatura  e que torna possível identificar um autor não é coincidente  com o estilo da obra em causa, mas só alguns elementos próprios aí recolhidos  funcionam estilisticamente.
       Como proceder, então, para  afirmar que só algumas propriedades de uma obra de arte são estilísticas e que outras não o são?   A resposta é dada pelas propriedades que obedecem aos dois critérios. " Basicamente, o estilo consiste naqueles traços do funcionamento simbólico de uma  obra  que  são característicos do autor, período, local ou escola. (...) Segundo esta definição, o estilo não é exclusivamente uma questão do como em contraste com o quê, não depende nem de alternativas sinónimas nem de escolha consciente entre alternativas, e compreende apenas, mas não todos, os aspectos de como, e daquilo que, uma obra simboliza " .
       A compreensão do estatuto do estilo, a partir do funcionamento simbólico de uma obra de arte, vem esclarecer-nos algumas questões relevantes. Reconhecemos  que certas características podem ser estilísticas em determinadas obras e não noutras, que nem tudo o que é relevante e constante esteticamente é importante em termos da definição de um estilo. Pode ser ou não ser. O período azul e o período rosa de Picasso são identificados pelo uso sistemático da cor azul e da cor rosa, respectivamente, assumindo aspectos pictóricos que marcam  o estilo do trabalho do pintor. Contudo, um quadrado de cor azul numa tela de  Malevitch  não tem sentido estilístico. Também a qualidade de um tipo de lápis repetidamente utilizado por um mesmo artista não constitui em geral  causa de estilo.
       É  a noção de simbolização exemplificativa que nos fornece o critério. Toda a obra de arte, como já o dissemos, simboliza, mas nem tudo o que ela simboliza é estilístico, mas apenas o que ela simbolicamente exemplifica. E como podemos alargar a noção para todas as formas de arte, estamos sempre face a construções simbólicas, sejam quais forem os media  que cada arte empregue, as propriedades estilísticas  são a  forma no sentido de propriedades  exemplificadas.                                                                                    Se atendermos, agora, à afirmação de Goodman de que o estilo não é algo que dependa da escolha do artista entre alternativas, nem das suas decisões mais ou menos conscientes, nem  da personalidade, então aparece-nos como clara a tese que afirma que  é na lógica da simbolização e na lógica da atribuição  que se deve construir uma teoria do estatuto do estilo. 
       VI) Estatuto que suscita a curiosidade de saber qual o grau da sua relevância. Ou seja: "Trata-se de saber se as propriedades estilísticas têm alguma relevância estética mais imediata do que as propriedades não estilísticas que auxiliam a atribuição "  . É absolutamente necessário e suficiente a percepção do estilo para a  hermenêutica de uma obra de arte? 
       A percepção artística é, como toda a percepção, um processo complexo  que nos leva à recusa em  aceitar que o  observador seja um receptor  passivo, conformado a receber estímulos, sem intervir activamente no fenómeno  perceptivo. A apreciação de uma obra de arte  não pode limitar-se ao que é visto, porque o objecto do olhar é sempre condicionado  pelo modo como é visto. Nenhum olhar é puro, daí se poder falar de percepções correctas e incorrectas. Correctas serão aquelas em que temos os instrumentos, os conceitos estéticos que nos permitem situar  a obra de arte como um  membro de um grupo mais geral de obras cujas propriedades são reconhecidas a um autor, escola, local ou período. Fruir a dimensão plástica das obras de um Degas, de um Monet ou de um Cézanne é saber ver que o que os preocupa  não é o conteúdo temático, mas  a luz, nas suas tonalidades mutáveis, e a natureza, que deve ser captada  num   imediatismo temporal e sensível. É saber avaliar estes objectos estéticos como manifestações do movimento impressionista francês do início do século. Assim: " O discernimento do estilo é um aspecto integrante da compreensão das obras de arte e dos mundos que elas apresentam " . Dizer que na obra estão todas as características estéticas relevantes, não significa  considerar, como a corrente formalista quer fazer crer, despiciendo o recurso a conhecimentos externos à obra de arte. O  critério  de atribuição, já mencionado,  é determinante, para se encontrar as respostas exactas às interrogações: Quem? Quando? Onde?
       Talvez possamos falar de uma dialéctica  (diálogo)   entre o  objecto  dado  à percepção estética  e as categorias  que o pretendem compreender. Ao  atribuirmos uma obra de arte a um autor em concreto (a " assinatura ") estaremos numa posição que nos permite a identificação das propriedades estilísticas, ou seja, a filiação de um artista com o seu estilo (peculiar) influencia a leitura da obra. Contrariamente, se nada conhecermos do  abstraccionismo geométrico, em que  a preocupação dominante é a  autonomia da forma, o suprematismo de Malevitch escapar-nos-á. Como diz C. d’Orey, recordando Goodman: " Percepcionar correctamente uma obra de arte, implica, tal como acontece com qualquer outro símbolo, percepcioná-la no sistema a que pertence. Só no âmbito desse sistema, podemos saber o que simboliza e como simboliza, ou seja, interpretá-la " . 
       A partir do exemplo referido do Quadrado Negro de Malevitch, só seremos capazes de apreender o que ele representa,  exprime e exemplifica, se conhecermos as premissas  em que o abstraccionismo assenta. É a associação a um estilo que faculta a captação do que numa obra  de arte é representado, no que nela é exprimido, bem como exemplificado. Aliás, esta última forma de funcionamento simbólico da arte esclarece-nos eloquentemente sobre este ponto, mais do que , possivelmente, as outras duas, dado que o que pertence ao plano da exemplificação ou não exige recusar o que na imediatez se  oferece ao olhar (traços, cores, sombras...), e  só um corpo de conhecimentos prévios nos assegura, com rigor, uma avaliação correcta do que na obra é exemplificado.
       O domínio dos estilos em arte é, pois, uma das condições necessárias para uma captação correcta das qualidades estéticas que uma obra de arte revela. Mas não é suficiente. A correcção não se restringe à identificação do estilo, porque mesmo o que não é estilisticamente relevante não deixa, por esse facto, de poder ser esteticamente importante, enquanto elementos de referência, eventualmente, significativos no contexto geral de simbolização. Limitarmo-nos ao estilo é não compreendermos  toda a dimensão de uma obra de arte como construção de um sistema de símbolos.
       Mas será o estilo factor decisivo da qualidade de uma obra de arte.? A resposta terá de ser negativa, não só porque  nem todo o estilo tem qualidades, e mesmo o excesso de estilo é uma deficiência estética, como não é, como afirma Goodman, a propriedade mais significativa entre todas as propriedades de uma obra de arte. Qual a legitimidade para o ser? 
       VII) A análise do estatuto do estilo coloca-nos, ainda, perante a questão da sua determinação. Como se reconhece um estilo? Com base na composição dos diferentes elementos que o compõem ou como um todo? Por intuição   ou   racionalmente?   A   intuição  parece  ser  fundamental  na apreensão da totalidade do que, no funcionamento simbólico de uma obra de arte, são as funções estilísticas, entre outras não estilísticas; funções que se exercem tanto no que ela exemplifica, como no que representa, exprime ou alude, e que surgem associadas ao conjunto das obras de um autor, escola, período, local, etc. (critério de atribuição) .
       Os traços característicos do estilo de um artista podem estar ou não sistematicamente presentes ao longo da sua produção artística. A frequência pode ser inconstante. O mais importante está no facto desses traços serem específicos, tornando o  autor singular face aos demais. Sabemos também  que há representações que se repetem usualmente na obra de um autor (por exemplo, paisagens) e que não constituem  qualidades de um estilo, por ser frequente noutros autores.
       Como dissemos, as obras associam-se umas às outras, há um sistema referencial que é fundamental para se proceder à caracterização dos estilos. Assim, cada obra não só exemplifica o seu estilo como remete por alusão a outras que se integram no memo estilo. É possível detectar em obras diferentes certas propriedades estilísticas comuns e outras não. 
       VIII) Para concluir, citemos mais uma vez Carmo d´Orey, que, a partir de  exemplos, nos esclarece a  relação referencial que uma obra de arte tem com o seu estilo: " Essa relação é a de exemplificação. O estilo é uma propriedade complexa, subdivisível em várias componentes que podem ser função quer do que a obra representa quer do que exprime ou exemplifica ou alude. O Velho Guitarrista  exemplifica o chamado " período azul " de Picasso, o qual se caracteriza pela representação de personagens miseráveis, pela expressão de tristeza e solidão e pela exemplificação de cores  azuis,  formas   angulosas   e   composição   na   vertical.  A  Guernica exemplifica um outro estilo de Picasso, caracterizado por outras propriedades". 
       Como conclusão, resta-nos dizer que o presente trabalho resulta da análise da obra de Nelson Goodman, Modos de Fazer Mundos, mas fundamentalmente  da leitura da dissertação de Carmo d´Orey, que a este autor dedicou um longo trabalho de pesquisa e investigação.
       O tema escolhido por nós  foi o estatuto do estilo, mas reconhecemos que é na compreensão global da filosofia da arte de Nelson Goodman que qualquer conteúdo sobre a problemática estética ganha profundidade e rigor.
       O grande contributo de Goodman para a tentativa de definição do estilo em arte está em recusar os tradicionais dualismos, que foram referidos, e que se aceites bloqueiam a compreensão de algumas manifestações artísticas, como é o caso da arte contemporânea. Por outro lado, a noção de  exemplificação é determinante, pois é ela que nos esclarece que as propriedades de estilo, como formais, são propriedades  exemplificadas (propriedades que uma  obra de arte revela na sua relação simbólica), além de podermos estender este conceito, como instrumento operativo de análise, a todos as áreas da  produção estética, superando os problemas específicos de cada uma. 

 Carlos Frazão

Outubro/1998

                                                                                                                              
                           BIBLIOGRAFIA 

ARGAN, G., " Arte e Crítica de Arte " , trad. port. de Helena Gubernatis, Lisboa : Ed. Estampa, 1995.
GOODMAN, N., " Modos de Fazer Mundos " , trad. port. de António Duarte, Porto : Edições Asa, 1995.
OREY, C., " A Exemplificação na Filosofia da Arte de Nelson Goodman " , Dissertação apresentada à Universidade Clássica de Lisboa para obtenção do grau de Doutor em Filosofia, Lisboa, 1992.
WEST, C., " Nietzsche e a Filosofia Americana Pós - Moderna ", in Crítica, nº 9, trad. port. de Jorge Costa, Lisboa : Ed. Terramar, 1992.
N. GOODMAN, Modos de Fazer Mundos, tr. port., Porto: Edições Asa, 1995, p. 38.
C. d´OREY " Introdução " , in N. Goodman, Modos de Fazer Mundos, op. cit. , p. 7.
Ibid., p. 8.
N. GOODMAN, Modos de Fazer Mundo, op. cit., p.43.
C. d´OREY, A Exemplificação da Arte de Nelson Goodman, Lisboa: 1992,

NOVOS ALIENADOS 


"A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”
Karl Marx

Na análise política a dificuldade que encontro é do plano dos significados, porque, confesso, há um excesso de significantes que perturbam a inteligibilidade dos acontecimentos. Só por si, o facto mereceria uma profunda reflexão. Na outra margem, o problema é a construção, é na construção de um discurso que a realidade se organiza. Por aqui não me parece que haja solução. Não o há no excesso de um sentido que se tornou unívoco e esboroa-se qualquer alternativa de significados. Melhor, a própria possibilidade de pensar no exterior dos dispositivos instituídos tornou-se refém da sua nulidade. Não se sabe já pensar de “outro modo”, qualquer linguagem é repetitiva e organizativa de poderes que actuam numa rede complexa sem previsibilidade de fuga. Parece-me – e sendo coerente, talvez o que me parece seja uma ilusão -, o discurso político é hoje, como nunca o foi, o reconhecimento de um movimento centrípeto que elide as diferenças e as alternativas. Todo o organismo faz parte integrante de um corpo holístico que põe a funcionar o regime democrático como ele deve funcionar para não ser questionado na sua lógica mais profunda, nos seus princípios de garantia, cada vez mais tidos como da ordem da “natureza das coisas” e não das circunstâncias, das experiências, das práticas, estas sempre produto do fluxo criativo das contingências e circunstâncias. O discurso mais dominante – há vários discursos dominantes – procura ontologizar as análises, as soluções, os objectivos, atribuindo-lhes um logos universal, reflexo espelhar de uma realidade inexorável, inexoravelmente política, porque a-politicamente inexorável. É necessário, pois, ir mais longe numa certa denúncia desta anomia vigente. Se há órgão do corpo social que se queira apresentar como melhor exemplo do que é ser a-político, a busca não é pelo desinteresse dos cidadãos por tal. O que constitui, para sua própria sobrevivência, a verdadeira expressão da fuga à política – “a miséria da política” – são os governos. Estas entidades são hoje excrescências assumidas da “coisa pública”, tudo por elas pode passar, menos o “acto político”. Daqui decorre uma ameaça, desde logo no plano da intervenção cívica, dos discursos de confronto, da produção de práticas de transformação do real. Pergunto-me se há verdadeiras oposições a estes dispositivos de poder, ou se toda a oposição, ou aparente oposição, se entrelaça numa dinâmica de perda progressiva, também ela, de experiência política e de emergência de práticas e conceitos que ameassem de facto romper a referida anomia social. Quanto mais os governos forem capazes de criar redes de cumplicidades adversárias no seu funcionamento meramente formal, mais o discurso se atomiza na redenção a-política, na "normalidade", por efeito de uma catarse que libertou a sociedade da “miséria da política”. Se este for o caminho da sociedade dos novos alienados, tudo o que podemos esperar é o regresso, numa versão sofisticada e tecnológica, do pior que a humanidade foi capaz de produzir ao longo da sua história.


Carlos Frazão

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

 
As Relações entre a Arte e a Moral em Fernando Pessoa
 
 
Carlos Frazão
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Não meu, não meu é quanto escrevo.
                                          A quem o devo ?
                                          De quem sou o arauto nado ?
                                          Por que, enganado
                                          Julguei ser meu o que era meu ?
                                          Que outro mo deu ?
                                                                                                                                                                      Fernando Pessoa
 
 
 
 
 
                                                                      INTRODUÇÃO
     
 
     O presente trabalho tem um alcance muito preciso que é, simultaneamente, a sua circunstancial limitação. A nossa proposta centra-se na actividade crítica de Fernando Pessoa - concretamente, os seus escritos a propósito das relações entre arte e moral - e não o Pessoa Poeta, cuja análise imprimiria uma dimensão que por agora nos escapa. Contudo, o que desde logo emerge como ideia central é a completude de uma sensibilidade imagística e reflexiva, enquanto criadora e crítica do acto poético. " Em todas as suas páginas persiste a grande alma do autor, uma alma ávida das alturas, estimulada pelo mais incondicional dos entusiasmos pela arte e pelos interesses do espírito ".
      Ler Pessoa é penetrarmos num universo marcado por uma genialidade complexa, confrontando-nos com uma obra, na sua unidade e pluralidade, que constitui um permanente desafio de perturbação para o seu leitor. Perturbação vivida na luminosidade que obscurece e na obscuridade que ilumina. Como nos diz Eduardo Lourenço: " Antes mesmo de saber com o máximo de plenitude o que os poemas de Pessoa são, aparecem-nos originalmente como a luz na qual nos é dado ver o que até eles não víamos ".
      Há em Pessoa uma forte necessidade de libertação literária, um desejo de estilhaçar quaisquer limitações temáticas ou formais. Influenciado pelo Simbolismo, superou-o na tentativa de aprofundar as virtualidades poéticas do uso da língua, traçando novos campos de exploração estética e literária, sobretudo na sua primeira fase, a modernista. O subconsciente, o inconsciente, a interioridade indecifrável, constituem a motivação para nomear uma realidade sugerida por imagens e símbolos.
      A crítica social  que  percorre  o  Realismo   é deslocada  para  um  outro  nível, para a dramaticidade de um " eu " face ao mundo. A consciência abre-se a si mesma, descobrindo uma sensibilidade que pensa ou um pensamento que sente ("O que em mim sente está pensando "). A tensão poética não descura  " o aperfeiçoamento do mundo exterior " -, mas centraliza-se privilegiadamente nas relações  eu / mim mesmo  ou  eu / criação estética.
      Pessoa é um personagem universal e a  sua  universalidade  é desdobrável.  O  " eu " fragmenta-se, melhor, des-substancializa-se numa pluralidade levada quase até ao impossível, ao infinito. Esta interioridade múltipla, onde convivem diferentes personae, é um jogo de criação de vozes, de relações labirínticas (de vários matizes onde confluem personalidades sem nome, o intelectual e o místico, o intuitivo e o astrólogo, o ocidental e o oriental), que exprimem um horizonte ontológico, psicológico e cultural para melhor entender o Homem, o mundo e o processo estético de criação.
      Poderíamos ser tentados a reconhecer no Pessoa ortónimo a unidade psicológica e nos heterónimos,  Álvaro  de  Campos, Ricardo  Reis,  Alberto Caeiro (entre os principais), simples manifestação da mais vulgar pseudonímia. Contudo, essa seria uma tentação ilusória. " Com efeito, a heteronímia não se distingue da pseudonímia como o mais do menos. Há entre elas uma diferença de estatuto, por conseguinte, de significação. O autor não esconde um mesmo texto sob nomes diferentes: ele é vários autores apenas e na medida em que é vários textos, isto é, textos que exigem vários autores. Tem sido o exame desta famosa heteronímia e da sua significação enquanto modelo espectacular da história da consciência moderna o que sobretudo tem interessado a mais estruturada exegese de Fernando Pessoa " .
      O que decorre do fenómeno da heteronímia tem, pois, um alcance que não se circunscreve a uma mera curiosidade literária. É um facto, unanimemente aceite, que não há na nossa história literária uma tão profunda e original interioridade plural, assumida na indistinção ficção/realidade ou heteronímia/ortonímia. Pessoa é um espaço de inscrição de uma multiplicidade poética onde coabitam vários poetas nele e fora dele mesmo. O " eu " já não é a "res cogitans", realidade ou substância permanente e imutável, identificado como o fundamento do saber e da verdade. A essa unidade, a esse substrato fixo que a reflexividade revelou como a ideia mais clara e mais nítida, Pessoa introduz uma fractura que nega toda a substancialidade ao sujeito, encarando-o como um lugar ficcional, uma rede de sensações e impressões, palavras e inteligência.
      Na viragem do século XIX para o século XX, Fernando Pessoa é o  representante de uma estética nova, estética que entra em ruptura com os códigos e os valores artísticos tradicionais, apelando para a dimensão irracional do homem que recusa a liguagem baseada na mediação do logos. O expressionismo na pintura e o dodecafonismo na música (Schonberg), por exemplo, traduzem a busca de vias originais de expressão e de definição do belo (ou mesmo a sua recusa), a  partir de um processo que é mais de desconstrução do que de construção.
      Se  a  "teoria da relatividade", a  "mecânica quântica"  e  a  queda dos "absolutos matemáticos" provocaram uma revolução epistemológica, também as formas plásticas e artísticas foram objecto de uma subversão.
      Todo o século XX não apagou os traços ou os vínculos de uma crise da racionalidade que se foi esboçando ao longo da sua primeira metade. Vivemos o fim das certezas racionais, não só no domínio da ciência, condenada à plausibilidade e ao indeterminismo, mas também no domínio da axiologia e da arte, caracterizadas por incessantes transformações e descontinuidades. Todas as formas tradicionais da linguagem estética se esboroaram. A definição da beleza é, sobretudo, um projecto “vazio", que se preenche na conflitualidade complexa das múltiplas expressões artísticas.
      A reformulação das normas do discurso científico, dos valores estéticos e das práticas culturais em geral, colocam no eixo do pensamento ocidental uma concepção de razão doravante privada de fundamentos insuspeitos.
      A obra de Fernando Pessoa, feita no anonimato (foi necessário esperar pela geração da Presença para que fosse iniciada a sua autêntica reabilitação face ao público e à maioria da crítica), constitui um permanente desafio que colocamos a nós mesmos e a ele próprio, um pretexto para a aventura de um "drama em gente". No fundo, um anónimo trágico que "exigiu os títulos de glória e não os achou. É no mais simples sentido da expressão um marginal, um habitante do deserto que cresce quando as ilusões que permitem viver naufragam. É esta nudez abrupta que muitos acham intolerável e puro niilismo gratuito ou injustificável. Mas é por ela e nele que o amam os que vêem nessa nudez a forma suprema e nunca mais ultrapassada em nossas letras da recusa da figura do mundo, da história e da existência tal como um homem da primeira metade do nosso século, profeta e lúcido, a ressentiu em sua carne e seu espírito"


             I   A OBRA CRÍTICA NAS PÁGINAS DE ESTÉTICA
                              (Breves considerações)
    
 A actividade crítica do autor da Mensagem, e em geral a sua produção em prosa, não mereceu uma atenção especial por parte de um grande número dos seus exegetas.
      G. Lind, editor e prefaciador das Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias, é uma excepção a essa tónica, que teve, nas novas gerações, comentadores interessados na revelação do Pessoa Doutrinador, doutrinador enquanto se moveu na urgência de assimilar à produção poética reflexões sobre arte e estética, estendendo a sua curiosidade por outros fenómenos da actividade espiritual humana.
      As Páginas têm a vantagem de nos revelar a turbulência de um génio em diálogo consigo mesmo, estabelecendo hierarquias, definindo gostos e opções, buscando juízos que esclareçam a inteligibilidade do(s) mundo(s). É assim que sabemos que a música, a literatura e a filosofia são artes cujo fim é influenciar; que a pintura visa agradar; que sentimento, cor e forma são os três elementos essenciais da poesia; ou que " a ciência descreve as coisas como são; a arte descreve-as como são sentidas, como se sente que são ".
      Sabemos também do seu apreço pelo paganismo e pela cultura clássica grega em geral (de que faz uma interpretação própria), procurando o ponto de conciliação entre a inteligência, a emoção e a imaginação. Em oposição ao culto e à radicalidade  do " eu " dos românticos, reclama o gosto por essa antiguidade helénica, por uma estética da objectividade, da impessoalidade, capaz de atender às exigências da poesia e da estética modernas. Um dos princípios " da arte é a universalidade. O artista deve exprimir, não só o que é de todos os homens, mas também o que é de todos os tempos. O subjectivismo cristista, além do erro pessoalista, produziu esse outro erro, a preocupação de interpretar a época. A frase de Goethe, bastas vezes citada sobre o assunto, é de mestre; com efeito, "um homem de génio é da sua época só pelos defeitos. A nossa época deduz-nos da humanidade. Como o artista deve procurar erguer-se acima da sua pessoalidade, deve procurar levantar-se fora da sua época "
      A personalidade de Pessoa revela-se, ainda, na admiração que nutria por criadores como  Shakespeare, Dante, Milton, Goethe, Homero, ou Quental e Cesário Verde (o mestre de Álvaro de Campos). Se aprecia, não sem reservas, os românticos ingleses, não tem grande entusiasmo pelos românticos e simbolistas franceses.
      O que nos parece de realce, é que o Pessoa crítico nunca deixou de se rever naqueles que mais tocavam a sua sensibilidade e a sua existência. Lendo os outros era a si mesmo que se lia, o " eu "  era o " outro ", num jogo de espelhos indefinível. A referência sistemática a Shakespeare é desse processo o melhor exemplo, como se Pessoa se sentisse um personagem inventado pelo criador de Hamlet.
      Gostaríamos, antes de nos limitarmos à analise do texto em questão, de fazer referência a mais alguns aspectos que nos surgem como essenciais na avaliação das Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias.
      Em primeiro lugar, esta obra  deverá ser objecto de uma avaliação mais global, que a articule com os textos das Páginas de Doutrina Estética (reunidas por Jorge de Sena, 1946 ) e com os das Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação. Jacinto do Prado Coelho alerta-nos para a necessidade deste trabalho de intertextualidade, ao mesmo tempo que refere: " Não causarão estranheza certas flutuações e até contradições, explicáveis por  essa mesma elaboração imperfeita, pela complexidade dos objectos sobre que incide a reflexão do Autor, pelo facto de os textos pertencerem a diferentes fases da sua vida (repare-se: tendo sido adoptado, na arrumação dos fragmentos, não um critério cronológico mas sim um critério temático, aparecem contíguos ou próximos fragmentos muito distanciados no tempo), enfim, pelo facto de as anotações de Pessoa poderem corresponder a diversos momentos dum processo dialéctico de captação do real, porventura em diálogo interior, em diálogo cujas falas poderiam ser atribuídas a diferentes personagens. Apesar de, no conjunto, ressaltar neste volume a unidade duma orientação mental, diria até dum pensamento estético-literário, com as suas preocupações dominantes e as suas ideias-mestras, "o certo é descobrirmos ainda sinais do desdobramento em heterónimos "
      Efectivamente, o fenómeno da heteronímia não se confina à actividade poética. A despersonalização e a simulação têm um alcance mais amplo. A Mora, helenista e pagão, entra em cena para ser outra personalidade outra no confronto das suas ideias e reflexões  com as ideias e reflexões de A. de Campos. Múltiplos heterónimos configuram uma personalidade sem centro, plural, aberta, indeterminável.
       Não se coloca aqui a questão, levantada por muitos e pelo próprio ( talvez ainda um  jogo  de  simulações ),  de  estarmos  perante  factos  de  natureza  psíquica ( Fernando Pessoa levantou a hipótese de sofrer de uma histero-neurastenia ). Julgamos não ser esta, como já o demos a entender, a melhor via para compreender a complexidade do problema em causa. Trata-se de uma des-personalização porque se trata de uma des-substancialização do sujeito, reconhecido como figura onde ocorrem pulsões que o próprio não domina mas que o domina e determina. Pensamos que a leitura psicanalítica poderá prestar contributos válidos a este terreno, quando se refere à fractura do " eu ", ou quando identifica vários níveis no psiquismo humano. Mas não só. Há toda uma tradição filosófica relativa à des-centração do sujeito, de Marx a Nietzsche, passando por Freud, evidentemente, ou pelos pragmatistas americanos, ou por Heidegger e Wittgenstein. Pessoa assumiu em acto criativo uma existência incontornável e fatalista, até às últimas consequências. Assumiu querer ser tudo e todos ao mesmo tempo.
      Após estas breves considerações, inflictamos para o texto de Pessoa, com as limitações resultantes de nos fixarmos nele, mas movidos pela curiosidade de penetrar no interior de um pensamento analítico ao relacionar a arte e a moral.


                           II   O TEXTO (ARTE E MORAL)
     
    1. Arte e prazer
    
      Pessoa esboça e estabelece uma hierarquia das artes, quanto ao fim que preconizam. A arte pode entreter, como a dança, agradar, como a arquitectura, ou influenciar, como a música e a literatura.
      Agradar é dar ao que é útil uma dimensão estética de fruição, sem descurar a finalidade última a que se destina. A arquitectura tem um duplo estatuto, vai ao encontro de necessidades práticas e torna a sua utilidade um objecto em si de prazer artístico. Influenciar significa, por seu turno, o que é perene, o que passa civilizacionalmente de geração em geração, o que fica como magma da herança colectiva das sociedades e das culturas. O artista influenciador tem consciência de cumprir a missão de transmitir aos epígonos o que em cada época é mais elevado, valorizando o " património espiritual da humanidade ", em detrimento da glória e das honras pessoais.
      Independentemente dessa classificação, ou talvez não, toda a arte visa provocar prazer. " O tipo de prazer é que varia. A arte inferior dá prazer porque distrai, liberdade porque liberta das preocupações da vida; a arte superior menor dá prazer porque alegra, liberdade porque liberta da imperfeição da vida; a arte superior dá prazer porque liberta, liberdade porque liberta da própria vida " .
      A arte é " divinização da existência ", como dizia Nietzsche. Liberta porque abre  para uma ordem harmoniosa, para um espaço de embelezamento da vida e de estetização do humano. O supremo da arte é o prazer que sente aquele que, movido pela transfiguração e pela emoção estéticas, se eleva para dentro, libertando-se dos estreitos limites que a vida concreta propicia, acima da fealdade de um real vulgar, alcandorando-se a superar o que é imperfeito  e a perseverar no ser.
      Se o prazer é ínsito, pregnante à afirmação da arte, à sua contemplação e fruição, não é a sua finalidade última. O prazer estético é um meio para que o homem se transcenda a si mesmo, se supere, se eleve por intermédio do que a arte pode proporcionar  à existência: a manifestação da beleza.
      A este sentido da finalidade da arte, se associa, numa dimensão mais ampla, a filosofia, que visa elevar através do conhecimento, a ciência, que busca a elevação na procura incessante da verdade, e a religião ("Uma religião sem Deus - uma religião puramente do homem, cuja base seja a benevolência e a bondade, em vez de a fé e a crença "), por acção do bem.
      Mas, "elevar e libertar não são a mesma coisa. Elevando-nos, sentimo-nos superiores a nós mesmos, porém por afastamento de nós. Libertando-nos, sentimo-nos superiores em nós mesmos, senhores, e não emigrados, de nós. A libertação é uma elevação para dentro, como se crescêssemos em vez de nos alçarmos ".
      Esta distinção pessoana configura a ideia de que o estatuto ontológico do homem é o de um ser que se faz, que se transmuta, reposicionando-se num processo dialógico face ao mundo, para ser continuamente um outro superior, mais perfeito. O belo, a verdade e o bem são as condições de um projecto "puramente humano".


      2. A relação arte/moral 
     
     A propósito desta relação, acentue-se que o pensamento de Pessoa se integra dentro da mentalidade característica dos finais do século XIX, início do século XX. Contra o prognóstico de Hegel que anunciara a morte da arte, vive-se uma época que procura reabilitar o Belo, dando-lhe uma perspectiva mais relativa e contingente, em oposição à teoria do belo único e absoluto, ao mesmo tempo que, circundando o âmbito ético, impõe um campo extra-moral. De Baudelaire a Nietzsche, a estética, a arte e o belo não deixam de ocupar um lugar de destaque.
      Ao privilégio conferido à arte, associa-se a ideia da verdadeira autonomia do criador, que defende a sua liberdade e impõe o seu estilo. É no limiar do século XX que nasce o artista moderno, independente dos favores de qualquer mecenas que patrocine a sua obra, à maneira do século XVIII, como no caso de Mozart, mas também a crítica e a sociologia da arte alcançam um estatuto novo no plano da constituição dos saberes.
      Pessoa identifica-se com essa autonomia e liberdade do artista. E reclama-as invocando a própria idiossincrasia do criador e da arte. A independência implica, como o dissemos, que a arte não tem que ser, enquanto finalidade a que se dirige, moral ou imoral. O contrário seria introduzir um elemento espúrio que adulteraria o estatuto da criação. Não há, pois, relação "strictu sensu" entre a arte e a moral.
      Analogamente, também não há relação entre a arte e a ciência. É certo que ambas são produto do pensamento e tendem para a universalidade. Pessoa recusa a dicotomia arte/ciência pela oposição subjectividade/objectividade. O que as distingue não é o factor pessoal, a individualidade, mas um carácter com outra dimensão. Aquela o que procura é criar, produzir  o seu objecto como foi sentido, como o sentimento o expressou, dar-lhe vida sugerindo a realidade. Esta o que procura não é a impressão mas a interpretação da realidade. " (...) Interpretar é o papel da ciência. A ciência procura compreender uma coisa por meio das outras, interpretar uma série de fenómenos por meio de todas as outras séries de fenómenos. ( que para isso sirvam ). A arte procura reproduzir sem interpretar (  daí o  contraste  vulgar entre o génio e a  " inteligência fraca " de certos homens superiores ) ". Por outras palavras, a ciência e a arte são invenções humanas que procedem do instinto intelectual ( a invenção resulta da união do instinto, que é a coordenação genial dos meios e dos fins, com a inteligência ), ora com valor de verdade a que se submete no confronto com os factos, ora com um valor absoluto na intensidade da verdade que cria, respectivamente.
      Mas se não há relação entre a arte e a moral quanto ao fim, o mesmo não se pode afirmar quanto ao conteúdo.
      Pessoa afasta-se das concepções genealógicas da moral dum Nietzsche, para quem a ética, reduzida às suas condições psíquicas, é um mero jogo de instintos e pulsões. A moral reflecte uma situação de vazio face à vida, de ressentimento, de culpa, de ódio por si próprio. O pensador livre está para além do bem e do mal. Pessoa, contrariamente, vê na moralidade um ideal, presente em todas as épocas, com excepção dos períodos de decadência que, embora não a persiga como ideal, não deixa nunca de lhe reconhecer esse valor de idealidade.
      Formuladas as premissas segundo esta perspectiva, e se a arte procura agradar e influenciar (são duas das suas regras), então não pode infringir, quanto ao conteúdo, as normas morais aceites, como, aliás, não pode violar  a  noção  partilhada  da  verdade. " Um poema que canta, elogiando o roubo, não fará um bom poema; nem o fará um poeta moderno a quem lembre cantar o curso do sol à volta da terra, que é uma coisa falsa. (...) Agradará a mais gente um poema que, sobre ser belo, seja moral, que um que, sendo belo, seja imoral. E como é improvável que um grande artista, por isso mesmo que é um grande artista, falseie a verdade, é improvável que falseie a moral. Não pertence esse característico aos de um cérebro típico de criador "
      Pessoa tem um discurso  que  se  organiza  de  um  modo,  diríamos, silogístico. Traduz a necessidade de repensar os problemas de acordo com uma argumentação que se estrutura a partir de afirmações sucessivamente relacionadas. Trata-se de um pensamento exaustivo.
      Assim, a questão da arte independente da moral é explicitada ao longo de vários textos, de diferentes datas, para que não subsistam dúvidas quanto às intenções das suas posições, num processo que é também de auto-esclarecimento.
Se a arte é moral ou imoral não é um problema que possa ser esclarecido pela estética. É um equívoco pensar o contrário. " Têm errado aqueles que têm querido achar uma razão, dentro da própria natureza da arte, para a arte ser moral ". Os juízos estéticos dizem respeito apenas à avaliação do sentido e das normas da beleza artística. Ora a expressão artística, a arte em geral, tem como finalidade a produção de beleza. São as categorias estéticas, e não as éticas, que facultam a apreciação de uma obra de arte enquanto objecto de fruição estética. A moral é, por conseguinte, exterior e independente desse juízo que se possa formular. Pretender submeter a arte a considerações de ordem moral, é deslocar a questão para outro âmbito. Para onde? Para a moral. Mas se arte não tem, repita-se, por fim a moral, ela pode, efectivamente ser ou não ser moral, no sentido em que vimos. E ser ou não ser moral é um princípio de dever ser. Ou seja, a arte deve ser moral e não imoral pela  moral  ( não pela estética ). É que " as épocas têm mais de comum as suas ideias morais que as suas imoralidades. (...) A tendência moral é reconhecida pela espécie (?) humana como superior à realidade (?) imoral. O poeta imoral corre portanto, na proporção em que é imoral, o risco de não influenciar os espíritos superiores  ( quando não da sua época, porventura decadente ), das outras épocas pelo menos “.



     3. A arte: feição puramente artística/feição social
     
     A arte tem duas dimensões, ou feições. Uma, como resultado da sua própria natureza, é " puramente artística " . Puramente, porque a beleza que cria não depende das opiniões, dos gostos, das avaliações consensuais. Mais, a arte nunca suscita unanimidade. Estabelece, não raramente, rupturas nos juízos dominantes. Provoca dissídios numa época para ser aceite noutra. A sua independência  reside  neste  facto, " nenhum outro fim tem que a criação da beleza, sem outra consideração moral ou intelectual ".
Mas, inevitavelmente, a beleza cria-se em sociedade, não para ela como finalidade, mas nela como realização, como acto. Simultaneamente, impõe um público, como decorre do que dissemos, provocando apreço ou rejeição. Daí, a sua outra dimensão, a feição social.
Pessoa atribui ao artista um triplo estatuto, como seja: o artista em si, o artista para a sociedade e o homem. Esta caracterização elucida-nos, com rigor, a teoria sobre as relações entre a arte e a moral, que temos vindo a tentar expor.
O artista em si perde toda a pessoalidade, o sentimento estético é impessoal e objectivo. A sua única responsabilidade é criar, autonomamente, a beleza. O compromisso que tem é perante a arte, o vínculo é a estética com as suas leis. A este nível, o criador é como que uma abstracção que se concretiza na busca do belo que produz, confundindo-se com ele para já nada ser de si. O artista em si é a arte em si. Não poderá ser esta uma interpretação possível para entendermos que " o artista tem de nascer belo e elegante, pois o adorador da beleza não deve ser feio ele próprio. E é seguramente uma dor terrível para o artista não lograr descobrir em si mesmo aquilo que forceja por alcançar. Quem olhando para os retratos de Shelley, Keats, Byron, Milton e Poe, pode interrogar-se se foram poetas ? Todos eram belos, (...) todos tinham o gozo celeste (...) " de o serem ?
Mas o artista, como sujeito social que é, vive em sociedade e, pelo facto, tem como único fim agradar. Aqui confronta-se com um duplo sentimento. Pretende agradar porque quer que a sua obra tenha um público e seja por ele admirada. É um sentimento pessoal de ver reconhecido o seu mérito e valor. Contudo, o sentimento impessoal não deixa de estar presente, porque o agrado que visa obter é o que decorre da beleza que criou, e esta é, como vimos, puramente artística. O criador ao produzir a sua obra não tem em mente a humanidade, não se sente condicionado pelas regras do sucesso   ou  do  insucesso.  Apenas  a  atitude estética  o  determina.   A  beleza  des-personaliza, o público a que se pode destinar numa fase ulterior e o próprio operário  que  a construiu  ( operário, no sentido de que  " a obra de  arte  é primeiro  obra,  depois obra  de arte ". ) A impessoalidade é sempre um  "a priori" face  à pessoalidade. Tal  não  significa  atribuir à beleza um carácter de essência, de objectividade  des-contextualizada. Pessoa fala das nossas noçôes de beleza, o que, desde logo, confere a consciência que tem da historicidade dos valores. O que está em causa é a relação entre o criador e a obra criada, cuja lógica é regulada apenas pelas categorias estéticas.
O artista em sociedade é artista, é o seu ofício social, e é também homem como todos os outros homens. A finalidade agora (enquanto homem) é obter glória, um sentimento inteiramente pessoal e interpessoal, porque é um desejo partilhado por todos.
Agradar e obter glória transcendem o campo e  as leis da estética, resultam da dimensão social do artista e da arte que veicula uma mensagem. Nenhuma  obra  é apreciada por um público (condição para o agrado e para a glória, não para a criação) que atenda exclusivamente a critérios estéticos. " A natureza da humanidade é uma só, não se divide em estética, moral, intelectual, etc. (...) o amor da beleza é fundamental na sua alma - é arte;  mas não só isso reside nela, não só com isso critica e aprecia. Outros elementos entram inevitavelmente nessa apreciação. Um grande poema revolucionário agradará mais a um republicano do que a um conservador, admitindo em ambos, quanto a qualidades críticas, a mesma dose de estética. Os homens não apreciam só esteticamente, apreciam segundo toda a sua constituição moral. Por isso cousas grosseiras, impuras, lhes desagradam, não na parte estética neles, mas na parte moral que não podem mandar embora de si ".
Toda a obra de arte é um objecto da cultura, constituindo a experiência estética uma das vivências do ser humano, uma das suas formas de relacionamento com a realidade. A obra divulga-se, difunde-se, expressando não apenas o sentimento interior do seu criador, mas também  comunicando uma informação sobre o mundo ( humano). A ciência escolhe, no todo da experiência humana, os elementos quantitativos, mensuráveis mediante instrumentos e susceptíveis de serem interpretados por uma teoria matemática. Só à custa desta redução pode o conhecimento científico suscitar um consenso universal. Mas a beleza é igualmente um elemento presente na cultura humana e a arte possui os seus próprios meios de verificação adequados à sua natureza. Arte e ciência são invenções e têm um público. Um teoria científica não é uma mera descrição de " coisas ", mas uma invenção criativa  com a marca do paradigma que a fez emergir e do contexto cultural em que surgiu.
Mas voltando à relação entre a arte e  a moral, que Pessoa procura explicitar,  uma reflexão se impõe que debata o que está em causa sobre a arte imoral. Não, propriamente, pelo lado da arte (  " o problema estético da ética, se assim lhe podemos chamar, ou, formulando-o ao invés, o problema ético em estética ". ), mas pelo lado do público que a consome.
       
  4. Um problema em análise: a arte imoral
    
     A análise de Pessoa incide sobre um problema concreto: a pornografia.
    Num primeiro nível, o autor interroga-se sobre a legitimidade das autoridades competentes intervirem, cerceando  e controlando a produção literária e artística no sentido de evitar a eventual influência  negativa  que  pode  ser exercida sobre o público consumidor. Havendo legitimidade, deveremos, seguidamente, interrogar-nos acerca da sua viabilidade prática. Contudo, este aspecto, refere o autor, " é muito secundário ".
     Colocado o ênfase na literatura, Pessoa desenvolve o seu raciocínio a partir da distinção entre a " literatura propriamente dita " e os " escritos meramente obscenos ". O critério estético surge como essencial para legitimar qualquer intervenção aceitável. A ética não pode prescindir da apreciação estética, sendo, neste caso, por esta determinada. É que há textos cujo conteúdo é declarada e intencionalmente obsceno, não tem outra finalidade. Por outro lado, existem obras de produção literária em que a presença de elementos obscenos não é um fim em si mesmo, mas fazem parte integrante, de um modo implícito ou explícito, de uma estrutura mais ampla que se caracteriza pela sua qualidade marcadamente artística e literária  ( parece-nos similar o fenómeno da violência na filmografia contemporânea, onde é possível reconhecê-lo como acto simplesmente gratuito e mesmo apologético, ou como expressão dissolvida num contexto crítico com outras intenções ). Diz-nos Pessoa: " é uma questão de grau. Há obras palpavelmente obscenas e nada mais, sem nada de literário, como os folhetos (...) e que correspondem na forma escrita às fotografias obscenas (...). E há no outro extremo produtos como "Venus and Adonis", como tantas obras clássicas, tanto em verso como em prosa; a dificuldade é maior quando nos encontramos perante grandes obras de arte que são não só imorais mas fazem francamente a apologia de qualquer espécie de imoralidade ".
      A actualidade de Pessoa está em centrar o problema no público, o que implica uma classificação própria, sem a qual, " não se pode derramar qualquer luz sobre esta discussão ". Não pretendemos dizer que estamos perante uma teoria da comunicação. Estamos tão só perante algumas reflexões a que não escapa a importância de uma fenomenologia do público e da comunicação. Foi necessário esperar pela segunda metade do século XX para se assistir a uma profunda transformação da cultura ( com  o triunfo dos meios de informação ), que definiu a humanidade como comunicação.
      Há vários géneros de público: o que não possui sensibilidade estética e artística, o inferior, e o que possui, o superior. Temos ainda o público adulto e o não-adulto.
Perante as grandes obras de arte, como a citada de Shakespeare, como reagem, enquanto leitores, estes diferentes públicos ?
     O primeiro, por falta de educação estética, ficará prisioneiro dos elementos imorais da obra, nada mais será capaz de apreciar. O efeito, mesmo depois da leitura, permanecerá, reduzindo o texto literário à influência sexual que ele lhe suscitou. Quanto ao público educado, o efeito inicial é similar. Mais, o leitor culto terá uma excitação mais intensa, pois sendo capaz de decompor as diferentes estruturas substanciais e formais que organizam a obra literária, sentirá com mais fervor e veemência a beleza que o autor, superiormente, foi capaz de criar para construir os elementos imorais e obscenos. Contudo, e aqui está o traço que distingue os leitores, o educado, " passada a excitação momentânea que a obra produziu, permanece antes sob a influência dos elementos artísticos ".
      Quanto ao público não-adulto, Pessoa caracteriza-o como o que não se pode defender, por oposição ao adulto, ou seja, as crianças.  Ora, curiosamente ou não, o público não-educado é comparado às crianças, isto é, também ele não tem condições para se poder defender.
      Definidos os vários tipos de públicos, voltamos à questão inicial: deve-se ou não proibir a venda e a divulgação das obras consideradas imorais ? Fazendo-o, é também a arte que atingimos. Pessoa conclui, defendendo que só às crianças e ao sector não-educado do público se deve limitar  os efeitos da proibição.
      Independentemente da terminologia pessoana aplicada à caracterização do(s) público(s), parece-nos de fecunda modernidade as reflexões do autor. Já o dissemos, mas não é demais insistir.
      Esta segunda metade do século é aquela em que triunfam os meios de informação. Assistimos a uma transformação profunda da cultura, doravante ligada a fenómenos de massas, o que significa que a comunicação aumenta, difunde-se, com tudo o que isso possa suscitar. Instala-se um novo enquadramento, em que os meios de informação desempenham um papel unificador. Entre as duas guerras, a cultura de massas surge como um factor de generalização, que não pára de prosperar. O género humano constitui um conjunto cada vez mais afectado pelas mensagens audiovisuais, exercendo um fascínio e uma sedução que atravessam o espaço e o tempo. Uma matriz cultural e pregnante transporta a comunidade humana para o universo da comunicação acessível e efémera.
     A sociedade industrial, de que a produção " em massa " é a imagem mais perfeita, impôs um determinado tipo de conteúdo e sentido à comunicação. De facto, as sociedades modernas da produtividade e da rendibilidade exigem comportamentos específicos aos indivíduos, definindo os modelos culturais necessários. Nesta comunicação cultural, os mass-media têm uma acção de massificação da cultura, anteriormente personalizada em função de gostos, interesses ou preocupações individuais. Assim, a nova cultura de massas tem por função a estandardização de maneiras de pensar, sentir e agir conformes aos códigos culturais vigentes na sociedade.
     Novos paradigmas se instalam nas práticas sociais, alterando e moldando as fontes de transmissão do saber. Se a rádio fez concorrência à imprensa escrita e o cinema adquiriu um verdadeiro desenvolvimento, a televisão, meio privilegiado de comunicação, " alterou o mundo ".
     São, precisamente, estes novos paradigmas que colocam hoje em equação a necessidade de repensar uma rede de fenómenos, de implicações múltiplas, e que passa por uma fenomenologia  e sociologia da comunicação. Uma teoria que tenha em conta o público a quem se dirigem as mensagens, o modo como estas são recebidas e interiorizadas pelos seus destinatários e os processos de mediação da comunicação, é um desafio que se tem colocado ao saber contemporâneo. Para citar apenas alguns, refira-se os contributos analíticos de Jacques Mousseau, Jean Cazeneuve, Edgar Morin ( a  "cultura de massas" ), Jean  F. Lyotard  ( " A Condição Pós-Moderna " ),  J.  Habermas ( A " Razão Comunicacional " ) e Karl Popper. Este último autor, em "A Lição deste Século", revela a sua preocupação por certas formas de violência ( no sentido amplo da expressão ) endémica nas sociedade modernas, a começar por aquela que exercem sobre os espíritos, insidiosamente, os meios de comunicação audiovisuais, nomeadamente a televisão. Popper atende, em especial, o efeito que esse meio de comunicação pode ter de negativo sobre o  público  infantil  ( e mesmo sobre camadas mais vastas de audiência,  ao cercear o sentido crítico e liberdade de pensamento ), chegando a propor um controlo sobre os  seus  "  abusos  e omnipotência ".
        Fernando Pessoa, considerando a sociedade do seu tempo, as particularidades conceptuais de uma modalidade de discurso e os instrumentos críticos e de análise, não deixa de estar presente numa problemática mais do que nunca hodierna, ele que foi: "da sua época só pelos defeitos ", ele que foi génio.


 

                                    BIBLIOGRAFIA


 PESSOA, FERNANDO, Páginas de estética e de teoria e crítica literárias,  Lisboa, Edições Ática, 1973.
COELHO, EDUARDO P., A letra litoral, Lisboa, Moraes Editores, 1979.
COELHO, JACINTO P., " Tópicos para uma leitura crítica ", em Fernando  Pessoa, Páginas de estética e de teoria e crítica literárias, Lisboa, Edições  Ática, 1973.
LIND, GEORG, " Reflexões acerca da estética de Fernando Pessoa ", em   Fernando Pessoa, Páginas de estética e de teoria e crítica literárias, Lisboa,  Edições Ática, 1973.
LOPES, ÓSCAR E ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA, História da literatura  portuguesa, Porto, Porto Editora, 1979.
LOURENÇO, EDUARDO, Pessoa revisitado, Porto, Ed. Inova, 1973.
SARAIVA, ARNALDO, Encontros, desencontros, Porto, Livraria Paisagem,  1973.
SILVA, VITOR  M. AGUIAR, Teoria da literatura, Coimbra, Livraria  Almedina, 1979.







                                        Citações
 _ Fernando Pessoa, Páginas de estética e de teoria e crítica literárias, Lisboa, Ed. Ática, 1973, p. XI.
_ Eduardo Lourenço, Pessoa revisitado, Porto, Ed. Inova, 1973, p. 14.
_ Fernando Pessoa, op. cit., cap. I, nº 14, p.18.
_ Eduardo Lourenço, op. cit., p. 20.
_ Ib.,p. 201.
_ Fernando Pessoa, op. cit., cap. I, nº 3, p. 4.
_ Ib., cap. I, nº 15, pp. 19-20.
_Cf. Jacinto do Prado Coelho, " Tópicos para uma leitura crítica" , em Fernando Pessoa, op. cit., p.XVI.
_ Ib., pp. XVI-XVII.
_ Fernando Pessoa, op. cit., cap. III, nº 1, p.53.
_ Ib., cap. I, nº 19, p. 27.
_ Ib., cap. I, nº 21, p. 30.
_ Ib., cap. I, nº 17, p. 24.
_ Ib., cap. III, nº 2, p. 54.
_ Ib., cap. III, nº 3, p. 55.
_ Ib., cap. III, nº 2, pp. 54-55.
_ Ib., cap. III, nº 3, p. 56.
_ Ib., cap. VI, nº 1, p. 117.
_ Ib., cap. I, nº 13, p. 12.
_ Ib., cap. III, nº 3, pp. 56-57.
_ Ib., cap. III, nº 4, p. 60.
_ Ib., cap. III, nº 4, p. 61.
_ Ib., cap. III, nº 4, p. 63.
_ Ib., cap. III, nº 4, p. 63.
 
 
 
Dezembro de 1999 
 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Novo Regime

Hitler, Mussolini, Franco, Cicciolina. Todos implementaram o seu de regime. Quer dizer secalhar a Cicciolina é capaz de não ter implementado. Mas enfim. Vamos dar conta de um regime surgido nos anos 70 e que passou despercebido à maior parte da população. Mas nós que somos atentos a essas situações pesquisamos e temos para vocês um regime ditatorial que afligiu muita gente: o regime meia pensão.
Este regime foi implementado por funcionários da indústria hoteleira que, secretamente, combinaram as directrizes desta nova forma de governação. Tudo começou, como o nome indica, numa pensão onde os funcionários estavam fartos de ter de dar pequeno-almoço, almoço e jantar aos seus clientes. Eles quiseram acabar com esses facilitismos para só terem de gastar dinheiro em queques e sumo de laranja. Rapidamente se reuniram na cave da pensão para decidir o nome do regime que começou por ser o pensionismo. Assim as vendas de arroz de pato embalado e de salmão fumado desceram e a febre deste regime alastrou-se ainda com o nome pensionismo. Foram hotéis, estalagens e motéis, entre outros estabelecimentos onde podemos levar alguém para fazer diversas coisas.
Enquanto todos se preocupavam em apagar o fumo que ainda restava de Woodstock este grupo de hoteleiros ia fazendo vítimas por todo o lado como podemos observar pelo seguinte depoimento deste popular escolhido ao acaso.
(Popular)
- Eu tinha marcado as minhas férias com direito a tudo e quando cheguei lá…(chora)
- Calma, tenha calma.
- Quando cheguei lá só tinha queques e sumo de laranja, mais nada. Foi terrível nunca me tinha acontecido nada. Fui reclamar com o gerente do hotel, mas não resultou. Só me puderam dar uma fatia de bacon.
De cliente em cliente chegaram ao Ritz e ao Sheraton e a outros grandes grupos hoteleiros. O pensionismo atingia o seu auge no Verão quando a indústria hoteleira se enchia de multidões que só depois viriam a saber que tinham sido burladas.
E perguntam vocês: então como é que se passou a designar meia pensão?
Quando houve uma grande explosão na pensão originária deste regime e ficou meia pensão pois a outra metade tinha ido à vida.