sábado, 16 de novembro de 2013

Auto dos Danados

Um país alicerçado de falso betão estrangeiro é a nossa realidade. Esta supremacia do Fundo Monetário Internacional (FMI) só é credível pelo capital emprestado, pois as suas políticas e competências ficam muito aquém da expetativa. Veja-se o exemplo do fracasso da política de prevenção de crise em 1994, no México, e nos vários países asiáticos em 1998. Da mesma forma que a remodelação e racionalização do sistema de prevenção, em 2008, é mais do mesmo. Desde o excesso de liquidez, ao crédito explosivo escondido nos recônditos do “boom” imobiliário e à displicência relativamente ao risco. O FMI, após o G-20 em Londres, teve o seu avale para se tornar na instituição financeira regularizadora de todas as economias abatidas pela crise do sub-prime americana de 2007. Ora, o seu papel de mediador e reformador a curto e médio prazo em vários países, cujo desconhecimento das suas realidades para além dos números é total, é bem esclarecedor de uma premissa fanática de reformulações que só se importam em tirar ovos, mesmo que já não existam galinhas. Este masoquismo veio à baila, recentemente, pela boca de Paul de Grauwe, professor conceituado na London School of Economics e antigo membro do FMI, como se depreende das seguintes declarações: “É difícil entender como pode o Governo magoar a população e sentir-se orgulhoso disso”; “Portugal e outros países do Sul da Europa deviam unir-se e dizer que a maneira como os tratam não é aceitável. Quando Portugal, Grécia, Irlanda e Espanha levam a cabo medidas de austeridade, os outros países do Norte da Europa deviam fazer o inverso e estimular a economia”.
Bom, mas a intenção deste artigo opinativo não é analisar, somente, a política económica de austeridade padrão adotada pelas principais instituições económicas e financeiras mundiais – o que também seria bastante interessante -, mas, sim, também, os efeitos que esta austeridade tem na sociedade portuguesa. Um Estado moribundo pela contenção de despesas, um compreensível aumento de impostos, a privatização a quase todo o setor público, diminuição dos salários, precarização e “neo-escravidão” no trabalho, contribui tudo para uma sociedade desigual e muito próxima de um feudalismo promíscuo. Mais grave ainda é a desequilibrada flexibilização do mercado laboral (é a solução mais fácil e desumana para a questão do desemprego), posição assumida pelo nosso governo neo-liberal atual. Esta visão, curiosamente, esbarra naquela que é defendida pela Organização Internacional do Trabalho. De facto, tudo parece ficar ainda mais sinistro e confuso quando, nos últimos encontros do G-20, ficou explanado um “Plano Global de Recuperação e Reforma” que defendia a urgente necessidade de construir um mercado de trabalho justo e de estímulo ao emprego. Não me parece, de todo, que a questão social esteja na agenda e, por sua vez, isso muito se deve à insustentável leveza da ideologia fugida do bolso de Margaret Thatcher. Este paradigma da governação neo-liberal, juntamente com o excessivo poder supranacional, coloca em causa o Estado de Direito, ou seja, os eleitos pelos cidadãos transcendem a sua legitimidade e legalidade (as constantes tentativas de desrespeito à Constituição Portuguesa, pelo nosso Governo, são convites endereçados a todos nós para observar um espetáculo de auto-mutilação, no qual os nossos direitos são espezinhados).
No cômputo final, os cidadãos estão a ser colocados num patamar de responsabilidade demasiado expositiva em relação à crise. Esta não é a crise do povo. Além de que caminhamos, serenos, para o fim do Estado Providência. Quando isso acontecer, onde nos terá levado a austeridade e o último degrau capitalista?
Bibliografia consultada:
BERMEJO, Romualdo; GARCIANDÍA, Rosana (2009) - EL FONDO MONETARIO INTERNACIONAL ANTE LA CRISIS FINANCIERA ACTUAL. Revista Electrónica de Estudios Internacionales, p. 1-34.
CALVO, Miguel Moltó (2012) - A NOVA GOBERNANZA ECONÓMICA NA UE: AVANCES E CARENCIAS. Revista Galega de Economía, vol. 21, p. 37-66.
FERREIRA, António Casimiro (2011) - A sociedade de austeridade: Poder, medo e direito do trabalho de exceção. Revista Crítica de Ciências Sociais, p. 119-136.

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