quarta-feira, 13 de novembro de 2013

NOVOS ALIENADOS 


"A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”
Karl Marx

Na análise política a dificuldade que encontro é do plano dos significados, porque, confesso, há um excesso de significantes que perturbam a inteligibilidade dos acontecimentos. Só por si, o facto mereceria uma profunda reflexão. Na outra margem, o problema é a construção, é na construção de um discurso que a realidade se organiza. Por aqui não me parece que haja solução. Não o há no excesso de um sentido que se tornou unívoco e esboroa-se qualquer alternativa de significados. Melhor, a própria possibilidade de pensar no exterior dos dispositivos instituídos tornou-se refém da sua nulidade. Não se sabe já pensar de “outro modo”, qualquer linguagem é repetitiva e organizativa de poderes que actuam numa rede complexa sem previsibilidade de fuga. Parece-me – e sendo coerente, talvez o que me parece seja uma ilusão -, o discurso político é hoje, como nunca o foi, o reconhecimento de um movimento centrípeto que elide as diferenças e as alternativas. Todo o organismo faz parte integrante de um corpo holístico que põe a funcionar o regime democrático como ele deve funcionar para não ser questionado na sua lógica mais profunda, nos seus princípios de garantia, cada vez mais tidos como da ordem da “natureza das coisas” e não das circunstâncias, das experiências, das práticas, estas sempre produto do fluxo criativo das contingências e circunstâncias. O discurso mais dominante – há vários discursos dominantes – procura ontologizar as análises, as soluções, os objectivos, atribuindo-lhes um logos universal, reflexo espelhar de uma realidade inexorável, inexoravelmente política, porque a-politicamente inexorável. É necessário, pois, ir mais longe numa certa denúncia desta anomia vigente. Se há órgão do corpo social que se queira apresentar como melhor exemplo do que é ser a-político, a busca não é pelo desinteresse dos cidadãos por tal. O que constitui, para sua própria sobrevivência, a verdadeira expressão da fuga à política – “a miséria da política” – são os governos. Estas entidades são hoje excrescências assumidas da “coisa pública”, tudo por elas pode passar, menos o “acto político”. Daqui decorre uma ameaça, desde logo no plano da intervenção cívica, dos discursos de confronto, da produção de práticas de transformação do real. Pergunto-me se há verdadeiras oposições a estes dispositivos de poder, ou se toda a oposição, ou aparente oposição, se entrelaça numa dinâmica de perda progressiva, também ela, de experiência política e de emergência de práticas e conceitos que ameassem de facto romper a referida anomia social. Quanto mais os governos forem capazes de criar redes de cumplicidades adversárias no seu funcionamento meramente formal, mais o discurso se atomiza na redenção a-política, na "normalidade", por efeito de uma catarse que libertou a sociedade da “miséria da política”. Se este for o caminho da sociedade dos novos alienados, tudo o que podemos esperar é o regresso, numa versão sofisticada e tecnológica, do pior que a humanidade foi capaz de produzir ao longo da sua história.


Carlos Frazão

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